quinta-feira, 10 de abril de 2008

O Último Gole


- O que vocês querem? - perguntou assustado olhando ao seu redor - digam logo o que querem e vão embora!

Estava sozinho em sua casa, sentado no sofá e assistindo a alguma bobagem na televisão. Fora surpreendido. Não sabia o que aquelas aparições tão repentinas pudessem querer dele. Mas ainda assim insistiam em atormentá-lo.

- Saiam da minha casa. Aqui não há nada que vocês pudessem querer.

Sua voz ecoava como um trovão na sala. Não havia respostas, não havia nada. Era como se uma multidão olhasse para ele com uma cobrança muda, sem acusações diretas, mas com uma presença que por si só cobrava.

Levantou-se e foi até a cozinha. Atrás vieram as pessoas, como se fossem sombras. Já não lhe incomodavam mais, não iam embora. Abriu a geladeira e viu uma garrafa de vodka, tão solitária quanto ele. Há três dias atrás fora parar no hospital: coma alcoólico. Vivia bebendo pelas ruas, sempre com a mesma solidão povoada das mesmas pessoas que ali estavam. Não podia mais beber, mas era como se fosse uma obsessão. Prometera a si mesmo que não beberia mais, mesmo porque fora proibido de beber se quer uma gota. Seu fígado já não suportaria mais um gole. A sua desregrada vida de bêbado solitário agora teria que ter um fim, mas de certa forma era novamente induzido a saborear mais um gole.

Todas aquelas pessoas a sua volta, olhando-o em um silêncio que podia dizer mil palavras, com os olhos fixados nele e na garrafa em sua mão magra. Começou a tremer, a cambalear antes mesmo de ter bebido. A embriaguez tornou-se já um remédio infalível, que ele agora não podia deixar de tomar. O insuportável barulho que aquele silêncio causava fez com que abrisse a garrafa com o líquido milagroso e se deleitasse de prazer. Só o cheiro do álcool já fazia parar o tremor de suas mãos errantes. O silêncio ensurdecedor não cessava e enquanto aqueles olhos doentios o devoravam, ele simplesmente tragava da vodka antes esquecida.

A garrafa já quase no fim, e ele no chão, agonizando. Realmente esse momento já não tornaria a acontecer. Todas aquelas pessoas etéreas, silenciosamente ruidosas já estavam mais calmas. Ele, esticado no chão como um tapete velho e rasgado. Já não havia mais o que fazer ali, somente carregar o que sobrou daquela alma errante e bêbada num cortejo acompanhado de um murmúrio cadente. E o corpo deixado no canto da sala suja e desarrumada, com a garrafa vazia ao seu lado e com o cheiro característico da causa da sua morte.