terça-feira, 26 de agosto de 2008

O desperdício - artifício usado por pessoas sem expectativa

Sentada em minha mesa de trabalho assisto a uma cena completamente assustadora: uma senhora que, em pleno sol das duas horas da tarde de uma terça-feira quente como o próprio inferno, lava as grades de seu portão esfregando-o com uma bucha de lavar louça, embebida em detergente e com a mangueira na outra mão, de maneira que possa enxaguar as grades de seu lindo e querido portão enquanto esfrega-o novamente, sôfreguidamente, frenéticamente, até que o mesmo brilhe, branco como as nuvens fofinhas que pairam sobre nós, com certeza perplexas ao se darem conta da estupidez humana. Sei que em algum outro relato devo ter mencionado a "estupidez humana", porém não tive como não recorrer a esse termo, pois nenhum definiria melhor essa situação.

A senhora, no alto dos seus 60 anos, deve ser mais uma dona de casa frustrada e cheia de netos pentelhos e mal-educados - que ela como toda boa avó deve ter contribuído, mimando as pestes quando na verdade deveria educá-los na base do chicote - e como nada tem a fazer a não ser aturar os diabinhos quando as mães dos mesmos estão gastando o dinheiro de seus maridos num shopping, comprando qualquer coisa somente para satisfazer a serpente consumidora que lhes come as entranhas, ao invés de poupar a velha mãe de um papel que deveria ser desempenhado por elas: o papel de mãe.

Agora a senhora fecha o portão limpo e cheiroso - que ela deixou com sua buchinha de lavar louça e seu detergente, acompanhado de jatos de água jogados sem piedade nenhuma, pois o que mais importa na vida que ter o seu portão limpo? - e vai pegar em sua despensa uma escova de dentes usada para limpar as gretas do seu portão. As gretas. O que na verdade viria a ser "gretas"? Será uma daquelas palavras que escutamos de nossas mães desde o útero, e que nos acompanhará até o túmulo, mesmo sabendo que elas não existem? Enfim, não vamos dissertar sobre isso leitor, pois seria preciso muitas horas. Ficamos somente nas gretas, as gretas do portão da senhorinha que não tem mais o que fazer a não ser desperdiçar água e matar a sua falta de perspectivas, os seus anos mortos por um desejo imposto, por uma causa que nem ela mesma defendia. Quem sabe tudo o que fora feito de sua vida se resuma naquela frase gasta: "Porque Deus quis assim".

É minha senhora, Deus quis que casasse, tivesse filhos - no caso filhas - estas que lhe deram mais filhos; quis que esfregasse cuecas e meias sujas, que aturasse a obrigação de se submeter todas as noites àquela desculpa da enxaqueca, ou quando inevitável aturasse tudo como se fosse o seu dever. Quis que jogasse fora toda a sua vida, seus sonhos, suas perspectivas em função de algo que nem acreditava. Agora nada mais poderá ser feito, a única coisa que se há de fazer é assistir à essa cena deprimente. O desperdício é justificado, pois ela também teve sua vida inteira desperdiçada como a água que escorre bueiro abaixo. Nada mais justo.

sexta-feira, 22 de agosto de 2008

A verdadeira liberdade

Sou eu, a excêntrica pessoa a exibir suas qualidades pessoalmente inventadas.

O ego que me controla fazendo com que creia em uma existência genial.

Existência esta que mal sei o seu propósito, a sua razão.

Se é que existe razão para um ser como este,

Farto de esperar, farto de pensar,

Farto de crer que as mudanças virão,

Que as flores desaborcharão... que minha vida será enfim algo sólido,

E não essa maré incerta e cheia de medos,

De receios, de cuidados, de omissões, submissões...

... Medo. O medo de morrrer, o medo de sair para o mundo,

Medo este que me foi imposto por mentes controladoras e obtusas,

Que jamais enchergarão além dos seus curtos e breves horizontes.

Quero me livrar dessa carcaça de obstáculos por mim impostos,

Quero ser livre não só de cobranças e imposições,

Pois essa liberdade logo se alcança.

Quero a minha liberdade,

Ser livre desses pensamentos,

Dessa jaula na qual eu construí para ser minha morada.

Quero jogar fora a chave desse calabouço,

Soltar-me das correntes e finalmente estar pronta,

Solta, leve como uma borboleta a dançar ao vento.

Enfim terei as respostas de minhas perguntas,

Terei o que mais almejo.

terça-feira, 19 de agosto de 2008

Agonia

Numa bela e quente manhã de inverno chegam os carrascos munidos com suas serras elétricas, seus machados, suas almas imundas e incoscientes. Nada posso fazer a não ser esperar... esperar que as machadadas sejam breves, que as serras sejam velozes, que a morte venha rápido.

A covardia alcança níveis incomparáveis, pois matar um ser completamente inerte que não pode se quer gemer de dor é a maior das covardias. Vejo meus braços, antes robustos e fortes, sendo carregados como entulhos para uma caçamba imunda de um carroção municipal. As folhas antes verdes, agora não passam de lixo que será varrido pela senhora numa atitude estúpida e alienada de se livrar da árvore que antes lhe dava sombra nos dias quentes.

Olho para mim, agora sou um toco, um pedaço do que antes era um imenso tronco que sustentava uma vida que agora é jogada no lixo por animais irracionais. Até mesmo o cão, inocente e impulsivo, quando urinava em meu tronco não era tão irracional quanto as serras e os machados administrados por paus-mandados de uma besta capitalista e sem escrúpulos, que quer transformar em deserto todas as ruas, praças, parques.

Um dia todos chorarão de arrependimento por cada árvore cortada, pois o caos não tardará. E espero que venha o quanto antes.

quarta-feira, 13 de agosto de 2008

Clamando à Chuva

Chuva lave minha alma podre, minha mente de pensamentos impuros e obscenos, meu corpo de malícia e promiscuidade. Leve embora essa culpa que me castiga, esse remorso inútil, esse sentimento de impotência e depreciação que faz de mim uma juíza cruel e irredutível, que diz todos os dias: "Não há alma que você possa fazer feliz nesse mundo".

Chuva leve embora esses restos mortais sepultados em meu peito, essa mortalha de reminicências e lembranças que já não vivem mais. Estão mortas, decompostas e enterradas num passado feliz embora conturbado e cheio de ressentimentos. Leve consigo esses hábitos de uma vida passada, onde tudo era clandestino e proibido, deixe minha mente livre desses sentimentos prisioneiros que se apossam de mim a todo momento.

Se nenhum desses desejos forem atendidos, Chuva me leve embora assim como você leva aquilo que não serve enxurrada abaixo. Com suas águas puras lave a terra de todo o mal, de tudo aquilo que é inútil e perigoso e aproveite para levar-me junto, pois somos da mesma laia, todos não prestamos e não podemos nada oferecer. Não deixe que eu viva com essa praga de sentimentos e fantasmas que me rondam sem cessar, que eu permaneça nessa condição miserável, com essa culpa que por mais que eu tente não consiga me livrar. Somente peço que, se meus pedidos não forem atendidos, Chuva me deixe pelo menos descansar.

terça-feira, 12 de agosto de 2008

Eterna Mágoa - Augusto dos Anjos

O homem por sobre quem caiu a praga
Da tristeza do Mundo, o homem que é triste
Para todos os séculos existe
E nunca mais o seu pesar de apaga!

Não crê em nada, pois, nada há que traga
Consolo à Mágoa, a que só ele assiste.
Quer resistir, e quanto mais resiste
Mais se lhe aumenta e se lhe afunda a chaga.

Sabe que sofre, mas o que não sabe
E que essa mágoa infinda assim não cabe
Na sua vida, é que essa mágoa infinda

Tranpõe a vida do seu corpo inerme;
E quando esse homem se transforma em verme
É essa mágoa que o acompanha ainda!

sábado, 9 de agosto de 2008

Até onde vai a estupidez humana - part III - As aparências.

O culto que a sociedade moderna tem sobre a aparência é tanto que deixam de ver para somenter enxergar, e se contentam com isso. A única coisa que importa é o visível, que é passível de críticas, sendo assim mascaram cada vez mais aquilo que é superficial, subordinando a essência à mera aparência.

Pintar montanhas de verde para "parecerem" árvores, pintar as folhas das ávores de verde para "parecerem" ser mais verdes - perfeccionismo patético e descartável - escondendo o descaso dispensado à natureza não resolve problemas, apenas os tornam cada vez mais visíveis, o que denuncia uma sociedade completamente fútil e vaidosa. Nesse caso falamos da vaidade no seu sentido mais banal, e não àquela que é benéfica. Diante desses fatos vergonhosos vemos que o homem tem uma capacidade imensa de ser estúpido, corrompendo algo que sendo natural é livre desses artifícios tipicamente humanos. Mesmo se o verde das árvores fosse desbotado é belo pelo simples fato de existir, pois é independente de estética.

Não podemos deixar que nos tornemos seres plastificados, mascarados e fúteis. Não podemos nos esquecer que antes de mais nada temos caráter, que antes de olhar para um rostinho bonito tente perceber se não é um artifício para esconder os defeitos, pois a beleza fica completamente comprometida com um "nois vai", "a gente fomos", "seje feliz", "o pobrema é meu", e assim por diante. (Não pude conter meu senso de humor!!!). Sejamos mais sinceros, seja o que for não mascare, não mude. Não se deixe levar por essa febre que é a indústria da aparência.