domingo, 24 de fevereiro de 2008

O Engano



- Até então estava vivendo um sonho - dizia a menina com o olhar radiante - mas acho que dele já acordei. Marie a olhava como se não entendesse o que ouvia, de repente mudara de humor e sua personalidade não fora mais a mesma. Estava desiludida, não acreditava no que antes a fazia feliz, tudo era passado. Embora as preocupações povoassem sua mente, não podia deixar de amá-la. "Ainda assim ela está diferente" - pensava consigo mesma. Ela tinha motivos para estar assim - seu pai falecera a alguns meses - mas seu comportamento mudou não pela morte do pai, não fora isso. Não sorria mais com tanta freqüência, perdera aquele brilho fascinante nos olhos. Estava pálida, não alimentava-se direito e costumava passar horas sozinha. No início não a incomodava. Achou que fosse uma fase e que logo passaria a ser como antes, mas no entanto piorava a cada dia. Chegou a pensar que estivesse possuída por algum espírito, mas descartou a hipótese quando viu sua pele toda marcada de hematomas. A partir daí não a deixava mais sozinha, sempre vigiava e começou a perguntar sobre suas amizades. Não tinha amigos. Sua única companhia era ela, Marie, que a criou desde pequena. Sua mãe morrera no parto, então seu pai a contratou para ser sua ama. Agora era mais do que uma ama, era sua única família.

Um dia, ao espiá-la pela fresta da porta, percebeu que estava chorando. Abriu a porta desesperada e perguntou-lhe:
- O que há minha pequena? Por que choras? - mas ela não respondia. Estava de cabeça baixa, olhando para o chão e chorando. Não queria falar, não queria preocupar Marie que insistiu:
- Anda criança, diga qual o motivo da tua aflição? Não vês que com o teu silêncio me deixas nervosa! - e então, vacilante ainda, revelou:
- Estou doente Marie, muito doente. Não sei o que é, não disse antes para não preocupar-lhe, e também porque sei que estamos miseráveis - e antes que pudesse terminar desmaiou.
Marie desesperada pegou a menina e correu para a casa do médico. Tinha sorte por ele ser amigo da família, pois caso contrário não teria condições de socorrê-la. O doutor mandou que entrassem logo e examinou-a. Seu rosto empalideceu e perdera até a voz. Tomou coragem e disse:
- Está mal, não sobreviverá. Sinto muito Marie, mas é a verdade. Providencie que receba os sacramentos e deixe que eu mesmo cuide do enterro - e sem conseguir disfarçar chorou sobre o corpo da menina. Marie estava desolada. Perderia sua única companheira, sua família. Ela era mais do que uma filha, era tudo o que tinha de mais precioso.

O padre chegou à noitinha. Ao sair lamentou pela menina. Marie passou a noite ao seu lado e pela manhã percebeu que já estava morta. A cidade toda compareceu - a cidade era pequena - e ouvia-se os lamentos por todos os cantos. Subitamente ouviu-se uma pessoa gritando, estava desesperada. Dizia que não podiam enterrar a menina, que ela não estava morta. A única explicação que dava era:"São os espíritos! Os espíritos tomaram conta da pobre criança, não a enterrem, está ainda viva!" . Marie que não admitiu que alguém caçoasse da morte de sua filha, enxotou a louca para fora do cemitério. Ninguém ali duvidava que a menina de fato morrera, ainda mais pelo fato de aquela mulher ter sido internada no sanatório várias vezes. Sempre dizia bobagens, falava sozinha e não falava coisa com coisa.

O enterro durou uma hora mais ou menos, e todos foram para suas casas. Marie só fazia chorar. Não podia viver só, acostumara-se com a doce companhia de sua filha. Agora a casa estava vazia, maior e triste. Porém tinha que se conformar. A vida continua.

No dia seguinte, ao andar pelo cemitério, Marie percebeu que um dos túmulos estava revirado. Caiu em prantos e suicidou-se tamanho era o seu remorso.

†Brennah Enolah†