domingo, 9 de março de 2008

A Virada


O luar estava diferente, envolvendo tudo com uma atmosfera nebulosa e tristonha. Sempre pensativo, Augusto costumava caminhar de madrugada pera pensar na vida, tentando com isso mudar sua existência. A vida, para ele, tem sido muito dura, e não sabia porque era tão castigado assim. Não merecia a crueldade com que era tratado pela vida, pois mesmo assim não reclamava da sua condição. Aceitava os fatos, simplesmente porque não podia mudá-los.

Entretanto estava pensando em como mudar tudo isso, para libertar-se de tanto sofrimento e poder enfim viver normalmente. Não era pouca sua desgraça, há dois dias perdera a mãe, vítima de um acidente de carro - causado pela sua distração - era explorado em seu trabalho, não tinha amigos, não tinha mulher, não tinha esperança. Até mesmo a sua esperança o abandonou. Se morresse ninguém daria sua falta. Se insistisse em viver, era indiferente. Sua única companhia era o seu diário onde registrava todos os dias os fatos de sua infelicidade permanente.

Um dia, ao dirigir-se ao trabalho, um mendigo atravessou a rua e veio em sua direção. Logo que o mesmo se aproximou, tentou defender-se como se já esperasse a bofetada. Mas num gesto humano e misericordioso, o pobre mendigo consolou-o como se soubesse da sua desgraça.

- Não há necessidade de temor, pobre amigo. Se a vida o castiga tente perceber o motivo pelo qual sofre, pois nenhum castigo é dado de graça - e olhando totalmente atônito para o mendigo, Augusto perguntou-lhe com uma impaciência exagerada.

- Como pode dar-me conselhos? Como pode saber do meu sofrimento, um pessoa como você, que mal sabe da sua vida? - e com um gesto desdenhoso disse - Olhe para você, o único que deveria ser chamado de pobre é o senhor e por favor, deixe de atormentar as pessoas com suas palavras encharcadas da sua eventual bebedeira, pois para dizer tais tolices, somente deve estar bêbado.

Numa última tentativa de poder ajudar, o mendigo olhou para Augusto e disse como se fosse um profeta.

- Você, meu rapaz, mal sabe a razão do seu sofrimento. Chama-me de pobre, mas é tão pobre ou mais que eu, sendo que mal consegue dominar a própria vida. Eu sou pobre, não tenho o que comer, mas domino a minha vida - e continuando com um tom de total segurança - e se estou aqui hoje, nessas condições é por minha culpa. Quem domina a própria vida, pode atrair alegrias e até mesmo, as desgraças - e saiu sem rumo, como sempre o fizera.

Augusto não sabia o que dizer, o que fazer. Aquele miserável dissera-lhe o que jamais alguém lhe disse, e pior ainda, acertou em cheio. Augusto era fraco, não sabia tomar decisões, não conseguia domar sua própria existência deixando-se levar como um barco à deriva. Onde o destino o colocasse, ou o que pudesse fazer com o curso de sua vida não era de seu interesse. Vivia pelo simples fato de existir como matéria, porém não pensava, não tinha capacidade de decisão. Era uma marionete em que todos pudessem movimentá-la e manipulá-la. Ainda um pouco assustado deu-se conta de que já estava atrasado para o trabalho e teve de correr para chegar logo. No caminho fora pensando sobre o que acabara de ouvir, como se aquelas palavras revirassem todo o seu eu.

Chegando ao trabalho tentou passar despercebido para que ninguém desse conta de que estava chegando atrasado, mas ao chegar em sua mesa foi surpreendido pelo seu chefe que com toda a sua arrogância repreendeu-o pelo seu atraso.

- Mas você, Sr. Augusto, não consegue se quer chegar pontualmente! O que acha que é? Alguém que pode fazer o que bem entende de seus horários? Acha que aqui não tem que dar satisfações?
Você mais uma vez mostrou que além de fraco é um incapaz! - enquanto seu chefe gritava insultos contra ele, olhou ao redor e percebeu que todos pararam os seus afazeres para rir. Riam dele, outros até concordavam com os insultos e gritavam: "O Augusto é mesmo um fraco!" e riam como se estivessem assistindo a uma comédia. Num instante tudo o que ouvira do mendigo voltou à sua mente como um filme, e de repente olhou bem para o seu chefe e numa explosão de raiva pegou a tesoura que estava em cima da mesa e começou a agredi-lo enquanto gritava.

- Quem é o fraco agora! Quem é o incapaz! - estava louco, totalmente descontrolado de ódio. Todo o ódio reprimido há anos fora descarregado contra o seu chefe, que agora agonizava no chão ensangüentado.

Todas as pessoas estavam pasmas, estáticas e assustadas. O riso anterior transformou-se em lágrimas, em desespero. Augusto, que estava todo sujo de sangue, olhou agora triunfante para a platéia do massacre.

†Brennah Enolah†